Nova definição de Bruxismo
- Liliana Mores
- há 4 dias
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O Hábito Noturno que Pensávamos Conhecer
A preocupação com o ranger ou apertar dos dentes, conhecido como bruxismo, é algo extremamente comum. Muitas pessoas se preocupam com o desgaste dos dentes, dores de cabeça ou na mandíbula. No entanto, nossa compreensão sobre esse comportamento está, muitas vezes, repleta de mitos e confusão. Recentemente, um encontro de Consenso Internacional, reuniu os maiores especialistas do mundo e virou de cabeça para baixo muitas das ideias antigas sobre o bruxismo. Este artigo revela as conclusões mais surpreendentes e impactantes deste novo relatório científico, apresentadas de forma clara e direta para que você entenda de uma vez por todas o que a ciência diz hoje sobre o bruxismo.
Primeira grande mudança: Bruxismo é um comportamento, não um distúrbio.
A mudança mais fundamental proposta pelo novo Consenso, é a reclassificação do bruxismo. Esqueça a ideia de que ranger os dentes é um "distúrbio" ou algo patológico. A ciência agora o define firmemente como um "comportamento motor". Essa distinção é crucial, porque remove o estigma de que o bruxismo é algo inerentemente errado. Em vez disso, ele passa a ser visto como uma atividade humana natural, que pode ou não ter consequências.
Como afirmam os especialistas no relatório:
"... o bruxismo não é o distúrbio, nem em indivíduos saudáveis nem nos não saudáveis."
Isso significa que o simples fato de ter bruxismo, não faz de você uma pessoa com um problema de saúde. O foco muda do comportamento em si para as suas possíveis consequências.
A surpresa: O bruxismo pode ser benéfico.
Esta é talvez a revelação mais contraintuitiva do novo consenso: o bruxismo nem sempre é um fator de risco negativo. Na verdade, ele pode ter um papel protetor para a saúde. A nova visão científica propõe que o bruxismo pode desempenhar três papéis distintos, dependendo do indivíduo e do contexto:
1. Fator de Risco: Esta é a função mais conhecida, na qual o bruxismo está associado a consequências negativas, como dor nos músculos da mandíbula, dores de cabeça ou desgaste mecânico dos dentes.
2. Fator Protetor: Aqui está a grande novidade. Em algumas situações, o bruxismo pode ser benéfico. Por exemplo, em pessoas com apneia obstrutiva do sono, a atividade dos músculos da mandíbula, pode ajudar a manter as vias aéreas abertas. Em casos de refluxo gastroesofágico, pode aumentar a salivação, ajudando a proteger o esôfago. Surpreendentemente, a ciência sugere que ele pode até exercer um efeito positivo na função cognitiva.
3. Fator Neutro: Muitas vezes, o bruxismo pode simplesmente não ter efeito algum, nem positivo nem negativo. É apenas um comportamento que ocorre sem causar problemas ou benefícios notáveis.
Essa nova perspectiva exige uma abordagem muito mais individualizada e cuidadosa para gerenciar as consequências do bruxismo, em vez de simplesmente tentar eliminá-lo.
Avaliar, não diagnosticar: A nova abordagem clínica.
Se o bruxismo não é um distúrbio, a conclusão lógica é que ele não pode ser "diagnosticado". O novo Consenso esclarece que os profissionais de saúde devem, em vez disso, "avaliar" o comportamento e suas consequências.
A avaliação busca determinar se o bruxismo está presente e, se está associado a algum resultado positivo ou negativo. O manejo clínico só é recomendado para as consequências negativas, como dor ou danos dentários. Além disso, qualquer intervenção deve ser feita com cuidado para não comprometer os efeitos positivos que o comportamento possa estar proporcionando, como a proteção das vias aéreas mencionada anteriormente.
Uma classificação mais clara e inteligente.
O antigo sistema que usava termos hierárquicos como "possível", "provável" e "definitivo" para descrever o bruxismo foi abandonado. Os especialistas concordaram que essa hierarquia era confusa e sugeria, incorretamente, que um método de avaliação era superior a outro.
Para tornar a comunicação mais precisa, o sistema foi substituído por termos que descrevem como a avaliação foi feita:
• Baseado no indivíduo (auto-relato): Quando a avaliação se baseia no que a própria pessoa relata sobre seus hábitos.
• Baseado na clínica (exame clínico): Quando a avaliação se baseia nos sinais encontrados por um profissional durante um exame (como marcas na língua ou desgaste mecânico dos dentes).
• Baseado em dispositivos (ex: eletromiografia): Quando a avaliação utiliza instrumentos para medir diretamente a atividade muscular, como a eletromiografia (EMG).
Essa mudança é fundamental porque reconhece que, cada método avalia um aspecto diferente e valioso do comportamento. O auto-relato, captura a experiência do paciente, o exame clínico revela os sinais físicos históricos, e os dispositivos medem a atividade muscular real. Nenhum é inerentemente "melhor"; eles apenas medem coisas diferentes.
Além de apertar e ranger: Conheça a sustentação e o impulso.
A definição oficial de bruxismo foi expandida, para incluir atividades mandibulares que não envolvem necessariamente o contato entre os dentes. A pesquisa emergente sugere que esses outros comportamentos também podem contribuir para a fadiga muscular e a dor. Os dois principais são:
• Sustentação (Bracing): É o equivalente a "apertar", mas sem que os dentes se toquem. Consiste em manter os músculos da mandíbula contraídos e firmes.
• Impulso (Thrusting): É o equivalente a "ranger", mas também sem contato dental. Refere-se a movimentos vigorosos e súbitos da mandíbula.
Reconhecer essas variações é fundamental para uma compreensão mais completa do que é o bruxismo e de como ele pode afetar os músculos da mastigação.
Repensando Nossos Hábitos Mandibulares
A principal mensagem do novo consenso científico é clara: o bruxismo é um comportamento humano complexo, multifacetado e, muitas vezes, neutro, e não simplesmente um distúrbio a ser eliminado a qualquer custo. Essa mudança de paradigma nos convida a olhar para nossas próprias mandíbulas com mais nuances e menos alarme. Em vez de apenas combater o ranger, o foco agora é entender suas causas e gerenciar suas consequências, sejam elas boas ou ruins.
Com essa nova visão, como você passa a enxergar a tensão na sua mandíbula no dia a dia?
Fonte: VERHOEFF, M. C. et al. Updating the bruxism definitions: report of an international consensus meeting. Journal of Oral Rehabilitation, v. 52, n. 9, p. 1335–1342, 2025.
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